segunda-feira, 27 de julho de 2009

Crime e Castigo – Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski

Um estudante pobre que habitava um pequeno quarto de uma pensão na cidade de Petersburgo, na Russia, foi o personagem escolhido por Dostoiévski para expor os efeitos psicológicos, originados em conceito fictício, que classifica a humanidade em seres especiais e seres materialistas.

Conforme o conceito era permitido às pessoas consideradas especiais não se aterem às leis e regras definidas, diante da sua posição social e intelectual. Estas pessoas poderiam, inclusive, cometer crimes, sem necessariamente refletirem sobre o fato, ou sofrerem retaliações.
Cabia aos indivíduos classificados como materialistas, o cumprimento das leis e regras definidas pelos ditos seres especiais.

Rodion Românovitch Raskólnikov, protagonista da história, se considerava um indivíduo especial, e tinha em Napoleão sua fonte de inspiração. Sendo assim, se deu o direito de cometer dois crimes.
A primeira vítima foi uma velha agiota, Alena Ivanovana, que se aproveitava das necessidades financeiras de pessoas carentes. A segunda, Isabel, tornou-se vítima devido ao fato de ter flagrado o criminoso no momento que executava a sua irmã.

Enquanto planejava os detalhes da ação, o criminoso entendia que, matando a velha agiota estava fazendo um benefício social à humanidade. Assim, com tempo disponível e inteligência rebuscada, desenvolveu um plano perfeito para não deixar vestígios do crime.

Dostoiévski, ao escrever a história, abandona o mistério policial e foca os dramas psicológicos vividos pelo criminoso, e por outros personagens que compartilham da trama. Entre eles, há coisas em comum, que afloram de forma e em momentos diferentes da vida.

Crime e Castigo é apoiado em dilemas morais aguçados por desprezo social, arrogância, prepotência, repressão, uso inadequado do poder, machismo, e jogo de interesses.
Neste ponto, o protagonista da história, apesar de pobre, ao se classificar como uma pessoa especial, não abre mão de conceitos, mesmo que estes viessem a prejudicá-lo, na sua condenação.
O fato de sua irmã, Dúnia ter sido prometida ao funcionário público, Piotr Pietróvitch Lújin, por interesse financeiro, deixou Rodion R. Raskólnikov irritado, ao ponto de afrontar o pretendente, fato este, que lhe rendeu muito trabalho após o desenlace da relação.

Piotr P. Lújin tinha um amor doentio por si mesmo e auto-estima elevada. Achava que desposar uma mulher carente, nova, inexperiente, desprotegida, e que tivesse sido questionada socialmente, lhe assegurava total submissão e gratidão.

Outro personagem marcante é o burguês, Svidrigáilov, que se casou com a rica Marfa Pietrovna. Ela pagou as dívidas do trapaceiro e assinou um contrato que permitia a ele sair com mulheres, desde que não repetisse a parceira. Apesar de Svidrigáilov declarar que preferia mulheres bem jovens, manteve o casamento com Marfa até tornar-se suspeito por sua misteriosa morte.
Este fato, o levou a Petersburgo, com a esperança de concretizar o desejo, de iniciar um relacionamento com Dúnia, irmã de Raskólnikov, cuja admiração se iniciou na época em que ela, Dúnia, era empregada da sua falecida esposa.

O texto é perturbador, e a teoria que se baseia a história é ainda mais extravagante. A ausência de fundamento e critério aceitos socialmente, nos remete a reflexões sobre responsabilidade em fatos, cujas definições não transparecem critérios e formas definidas. Assim, as ações, obedecem a critérios subjetivos, individualizados, e fora do controle.

A história publicada originalmente em 1866 termina com uma sequência de tragédias, instigada pelo vazio de vidas sem sentido, cujas personagens, se entregam à própria sorte.
Dostoiévski brinca com a imaginação do leitor, coloca o protagonista da história em situações de suspeito e, ao mesmo tempo, colaborador nas investigações do crime.
Finda com o questionamento sobre a necessidade de busca, do homem, de relações que possibilite aquietar a mente.
Coloca, ainda, a moral religiosa como fonte de conforto espiritual, submetendo a intelectualidade do protagonista a conceitos simples expressados por uma jovem prostituta, disposta a submeter-se a situações de sofrimento em busca do reconhecimento humano.

Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski - Nasceu em Moscou, em 1821. Cursou engenharia e estreou na literatura em 1845. Foi condenado à morte em 1849, por envolvimento com política liberal. Minutos antes do fuzilamento, sua pena foi modificada por um período de exílio na Sibéria. Morreu em São Petersburgo, em 1881. É autor de Irmãos Karamazóv, Crime e castigo, O Jogador, Notas de Subsolo, O Eterno Marido, e Recordações da Casa dos Mortos. É considerado o mais importante romancista russo.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Ensaio sobre a cegueira - José Saramago

Por que José Saramago em seu livro Ensaio sobre a Cegueira deixou de fora a Mulher do Médico ao resolver cegar os habitantes de uma cidade fictícia?
Quis ele incorporar a personagem, e através dos seus olhos, ajudar o leitor a analisar as facetas do comportamento humano durante uma crise epidêmica, ou mostrar, desde o início do texto, que vale mais reparar do que simplesmente ver?

A história da chamada Cegueira Branca que se espalhou por uma cidade atemporal, registra as atitudes para a sobrevivência física, a dignidade, e a espiritualidade do homem, quando submetido a uma epidemia.

Quem ainda enxergava se comportava com autoridade para decidir o que fazer com os cegos. Logo, todos passaram a ficar na idêntica situação, exceto a Mulher do Médico, que se manteve, sem explicação médica, até o fim da história podendo ver.

O autor declarou ter sofrido para escrever o texto, e quis que o leitor também participasse da angústia ao lê-lo.
Sem dúvida, quem teve o prazer de ler o texto passa pela experiência do sofrimento maduro da reflexão sobre a humanidade. A depender do momento, coloca-se favorável ou contra comportamentos de sobrevivência, mascarados pela hipocrisia social.
Os limites entre a sobrevivência e barbaridade, e os entre o instinto do progresso e o da autodestruição, são ultrapassados a todo o momento.

Saramago acerta em cheio na ferida. Quem ler Ensaio sobre a Cegueira não será mais o mesmo. No mínimo, passa a reparar tudo o que ver na tentativa de se tornar mais preocupado com as mazelas da humanidade.

A sutileza entre o “olhar” e o “ver” permeia a visão física remetendo-a para, uma mais atenciosa, a de "reparar". Esta última poderá ser observada mesmo na cegueira.

A exclusão social, a relação com o poder, a crítica às autoridades, as alternativas para a sobrevivência, a experiência adquirida na velhice retratada no personagem do Velho da Venda Preta, podem ser identificadas no texto.
Porém, um fato relevante foi citado de forma sutil: O personagem Escritor, que mesmo sem “ver”, registrava no papel tudo o que “reparava”, acreditava que um dia alguém soubesse o ocorrido. Desta forma, conseguiria perpetuar a memória e ajudar na formação da consciência coletiva.

Saramago diz: Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, esta coisa é o que somos”.

Informações sobre o autor - José Saramago nasceu em 1922 em Portugal. Filho de agricultores foi serralheiro, desenhista, funcionário público, tradutor e jornalista. Tornou-se conhecido internacionalmente com o romance Memorial do Convento. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Vive entre Lisboa e a aldeia de Lanzarote, nas Canárias.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

As Veias Abertas da América Latina - Eduardo Galeano

O livro versa sobre a economia política da América Latina, com riqueza de detalhes históricos. Chama a atenção do leitor para fatos que influenciaram e continuam influenciando nos países latinoamericanos.

A obra multifacetada, permite, ao leitor, se embrenhar no que mais lhe convier.
Os interessados nas variadas ciências políticas e sociais podem se aprofundar nas pesquisas, tendo por base os documentos e citações.

Foi escrito com base em documentos que registram momentos importantes, e oferece aos desprovido de paixão política, oportunidade para analisar fatos importantes e tirar suas conclusões.

Os genocídios de populações e destruições de culturas indígenas praticadas por povos europeus na América Latina tiveram por objetivo: explorar as riquezas minerais; a fertilidade do solo; e a mão de obra abundante e barata.

A América Latina se tornou uma área estratégica para os Estados Unidos e para a Europa, como fornecedora de minerais e base para a produção de alimentos. Na região se produzia o que interessava à Europa e aos Estados Unidos, e interrompia a produção ao termino dos seus interesses.

As conveniências econômicas e políticas dos importadores mudavam a geografia agrícola do produto. Assim, aconteceu com a cana de açúcar, o cacau, o café, a seringa, e o algodão.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa reduziu a sua influência na América Latina e cedeu espaço aos Estados Unidos que expandiu os seus interesses no continente.
Neste caso, a América do Norte fomentou, estimulou, apoiou e financiou movimentos políticos que concordaram com os seus interesses estratégicos, para tornar-se a maior economia do planeta.
Assim, vários regimes autoritários forma instalados, estimulados por países que se dizem guardiãs da democracia...

O modelo fundiário implantado na América Latina visou tão somente o baixo custo das explorações agrícolas para exportação.
O latifúndio, largamente estimulado pelos Estados Unidos como modelo fundiário, divergiu do implantado para ocupação dos seus territórios. Lá, Abraão Lincoln assegurou a cada família 65 hectares para estender as fronteiras. Promoveu a matança de índios, e a migração de estrangeiros.

Meio milhão de nordestinos brasileiros sucumbiu às epidemias, ao impaludismo, ou à tuberculose na época do auge da borracha, ao migrarem para a Amazônia.
Estima-se que oito milhões de vida foram ceifadas na exploração da prata que existia na rica montanha de Potosi, na Bolívia.
O autor cita crimes praticados contra índios que habitavam a Amazônia, para beneficiar empresas multinacionais na exploração de jazidas minerais.

O livro revela os motivos da renuncia de Jânio Quadros, do suicídio de Getúlio Vargas, o apoio americano a golpes militares no Brasil, na Argentina, no Chile, e em outros países latinoamericanos. Fala ainda sobre o genocídio praticado pelo Brasil, Argentina e Uruguai contra os povos paraguaios.

Informações sobre o autor - Eduardo Hughes Galeano, jornalista e escritor nascido em Montevidéu no Uruguai em 1940. Suas obras foram traduzidas em diversas línguas. Escreve histórias que contempla assuntos políticos e o cotidiano. Foi exilado político na Espanha e na Argentina. Sua obra de maior relevância política e social é "As Veias Abertas da América Latina". Escreveu dentre outros títulos “Casa de Las Américas”, “Memória do Fogo”.